segunda-feira, 3 de julho de 2017

Novo Reitor do Seminário






COMUNICADO
Às 12 horas de hoje (03.07.2017) - Festa de S. Tomé Apóstolo, tornou-se pública oficialmente a nomeação do Reverendo Padre Joaquim Lopes Vieira pela Congregação para a Evangelização dos Povos como novo Reitor do Seminário Filosófico Interdiocesano “Santo Agostinho” da Matola.
Agradecemos a Deus pelo dom e sim do Pe Joaquim e rezemos por ele, neste novo serviço que Deus Lhe pede em prol da formação dos futuros presbíteros da Igreja.
A Missa da tomada de Posse, está prevista para próxima Quinta feira (dia 06 de Julho) às 09 horas.
Matola, 03 de Julho de 2017

Pe Tonito José Francisco Xavier MUANANOUA
Reitor cessante
Pe Joaquim, o 2º da esquerda para direita, novo Reitor

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Pe Sílvio despede-se da Comunidade de Santo Agostinho

Após a apresentação e empossamento do Novo Director Espiritual, na manhã do dia 29 de Junho, Solenidade de São Pedro e São Paulo Apóstolo, Pe Sílvio Sirico Francisco Anovo, despediu-se da nossa comunidade de regresso à  Arquidiocese da Beira.
Antes do início da Missa, o Reitor tomou a palavra e pronunciou o seguinte discurso:



Reverendíssimo Padre Silvio ANOVO, Director Espiritual cessante
Reverendos Padres da Equipa Formadora
Caríssimos Seminaristas

Desde 20 de Janeiro de 2013, que a nossa Comunidade teve o dom de acolher entre nós o Reverendo Padre Silvio Sirico Francisco Anovo, como Director espiritual do nosso Seminário.
Ao longo destes anos, um caminho de fé, proximidade,  simplicidade e disponibilidade experimentámos como comunidade e de modo especial como membros de equipa formadora.
Antes do seu regresso, gostaríamos com esta Eucaristia, que oferecemos por ocasião da Solenidade de S. Pedro e S. Paulo Apóstolos e dia de oração pelo Santo Padre, agradecer ao Senhor por todo o trabalho que foi desenvolvido ao longo destes anos pelo Padre Sílvio Sirico Francisco Anovo no nosso Seminário. Muito obrigado.
Queremos estender a nossa gratidão à S. Excia Rev.ma, Dom Cláudio Dalla Zuanna, que o colocou à disposição para o serviço da formação do clero neste Seminário. Bem haja.
Juntamente com os nossos hinos de louvor pelo dom da presença e serviço, queremos implorar a Deus, copiosas bênçãos e graças ao Reverendo Padre Silvio, na nova missão que com fé e obediência lhe será confiada ao regressar à Sua Arquidiocese.
Com estes sentimentos de infinita gratidão pelo serviço e doação na formação do clero e por tudo o que o Senhor nos permitiu experimentar, peço Reverendo Padre, que incie com esta nossa Oração de Acção de Graças. Obrigado 

Na homilia, Pe Sílvio agradeceu a colaboração que teve de todos e pediu orações e comunhão, na nova missão que lhe espera de regresso à Sua Arquidiocese.
Às 12.30 horas houve um almoço de confraternização com os seminaristas. Durante o almoço, o Deão pediu a palavra e agradeceu em nome dos estudantes o trabalho desenvolvido pelo Padre Sílvio no nosso Seminário.

NOVOS FORMADORES INTEGRAM A EQUIPA FORMADORA

No dia 27 de Junho do corrente ano, o 1º dia do início das aulas do II semestre, numa celebração eucarística presidida por S. Excelência Reverendíssima Dom Francisco Chimoio, ofm - Arcebispo de Maputo e Presidente da Conferência Episcopal de Moçambique, foram apresentados e tomaram posse dois novos formadores.

Pe Gemo, Dom Francisco Chimoio e Pe Artur





Trata-se dos Reverendos: Pe Anastâncio Jemo Matsovele, da Diocese de Inhambane e Pe Artur Bernardo da Diocese de Gurúè.

O primeiro, dentro da equipa, irá desempenhar as funções de Director Espiritual e Pe Artur, será o Prefeito de Estudos e o Director da Turma do II Ano.

A cerimónia de apresentação e empossamento, consistiu na renovação das Promessas sacerdotais diante do Sr Arcebispo, na Profissão de fé e no juramento de fidelidade à Igreja diante do ministério que foram confiados.

Da página do nosso blogger, queremos agradecer em primeiro lugar a CEM que providenciou mais dois novos formadores para o nosso Seminário, depois de um longo tempo em que a equipa formadora deste Seminário viu-se reduzida a quatro membros. Em segundo lugar queremos agradecer aos seus respectivos Bispos, concretamente D. Adriano Langa - Bispo de Inhambane e D. Francisco Lerma Martínez, Bispo de Gurúè que colocaram à disposição os seus sacerdotes para o serviço tão importante e nobre como o da formação do futuro clero.
Por último queremos agradecer ao Pe Anastâncio e ao Pe Artur, por terem aceite a proposta de vir fazer parte da nossa equipa formadora. Bem hajam e um fecundo trabalho.

PROGRAMAÇAO DO MÊS DE JUNHO-JULHO


                  JUNHO/JULHO (1-5)
27 Início do II Semestre: 1º dia de Aulas
29 Solenidade de S. Pedro e S.Paulo Apóstolos
30 Encontro do Prefeito com estudantes 10.30 h
30 -1 Retiro dos Seminaristas
7 Encontro com os Formadores Religiosos 15 H
8 Retiro da Equipa Formadora
29 Palestra da Acafil

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Da “Ética do rosto” de Levinas aos múltiplos perfis da pessoa humana



Teve lugar no dia 26 de Maio, último dia de aulas, uma Palestra subordinada ao tema: "'Da ética do rosto' de Lévinas aos múltiplos perfis da pessoa humana".
A Palestra foi proferida pelo Reverendo Padre António Perretta, da Comunidade dos Missionários de Villareggia.
De seguida, publicamos na íntegra o texto seguido pelo Padre António ao longo da palestra

1.           Status questionis

Da “Ética do rosto” de Levinas aos múltiplos perfis da pessoa humana”: Este é o título do presente “dialogo” filosófico que vai reter a nossa atenção neste dia.
Considerando que o tema da pessoa humana é o mais recorrente da filosofia e é abordado segundo muitas facetas - às vezes, em grande contradição entre elas - nós escolhemos, como ângulo da perspetiva de investigação ou ângulo hermenêutico, o pensamento de Levinas, de raiz judaico-bíblica
Este tema se inspira na urgência de encontrar uma pista de resposta à crise ética atual, na qual, de um lado, a pessoa humana sofre inúmeros “abusos” e desrespeitos eidético-interpretativos, do outro lado, propõem-se muitos discursos sobre os direitos humanos e as urgências de encontrarmos formas de convivência pacíficas entre os povos.
Afferrami la mano, Gesù...
Pe Antonio Perretta, Missionário da Comunidade de Villareggia
Uma pergunta, que podemos definir na base do status questionis: será possível conviver em paz a nível familial, social, cultural, religioso, internacional… e mesmo consigo mesmo (nível pessoal) sem termos uma visão holística e concordada da pessoa humana?
Noutras palavras, mutuando uma pergunta da visão teo-filosófica hebraica: “que é o homem para te lembrares dele?” (Sal 8, 5), o Pensador bíblico (Autor Sagrado) responde com a sua visão eidético-sapiencial, inspirada pela visão teológica: “Quase fizeste dele um ser divino” (Sal 8,6). A definição do salmista não é categórica ou dogmática, mas aberta. Ela abre pistas de reflexões inesgotáveis.
Dizer que o Homem é um ser “quase” divino é proclamar uma identidade imanente e transcendente no mesmo tempo, mas toda para descobrir.
O contributo filosófico levinasiano, inscreve-se nesta tentativa nunca terminada que acompanha a história do pensamento humano para perceber “o que é a pessoa humana”, e Levinas oferece o seu contributo condensando a identidade pessoal na palavra e na experiencia do ROSTO.

2.           Dados biográficos


Nascido Emanuel Levinas no seio de uma família judaica, a Kaunas (Lituania), o pai um livreiro, Levinas logo teve contato com os clássicos da literatura russa, como Dostoiévski - tão citado em suas obras.
Aos doze anos, na Ucrânia, assiste à revolução de Outubro (1917). Mais tarde, estabelece-se na França (1923) e inicia seus estudos de filosofia em Strasbourg. Dirigindo-se a Friburgo (1928-1929), torna-se aluno de Edmund Husserl e Martin Heidegger, dos quais será um dos primeiros a introduzir o pensamento na França.
Retorna a Paris até que, tendo eclodido a II Guerra Mundial (1939), é capturado e feito prisioneiro pelos alemães. Exilado por cinco anos, não poderá mais esquecer a marca do ódio do homem contra o outro homem deixada pela violência nazista. No cativeiro foi escrita grande parte de sua obra De l’Existence à l’Existant (1947), publicada dois anos após o fim da guerra.
Durante dezoito anos (1946-1964), dedica-se à direção da Escola Normal Israelita Oriental de Paris. Leciona depois na universidade de Poitiers (1964-1967), na de Paris-Nanterre (1967-1973) e na de Paris-Sorbone (1973-1984). Faleceu em Paris em dezembro de 1995.





3.           Encontrar o rosto

Não vamos efetuar uma dissertação sobre todo o pensamento levinasiano mas, inspirados por uma sua intuição acerca do Rosto humano, desejamos melhor tratar do tema da pessoa humana que “eu sou” e que o “outro é”.
Uma experiência pessoal ajudou-me a aperceber melhor o que vou explicando. Há uns dias, indo da Casa do Gaiato, de carro até a cadeia de Boane, o carro fendia uma densa neblina. Cruzando com as pessoas, de longe apareciam figuras amorfas e sem cores: podiam ser qualquer coisa, até manequins ambulantes, ou robots… Mas ao aproximar-me delas, acontecia uma epifania dos rostos que delineava trações claros de homem, ou mulher, jovens ou idosos. Este aparecer do rosto, convidava-me e convidava-nos a trocar formas de gentileza: saudação, cruzamento de olhares que criava relações, embora fugaces, enquanto levavam o breve tempo de um cruzamento do carro com estes sujeitos.
Percebi claramente que sem encontrar o Rosto do ser humano não há moral, não há relação, não há vida social, religiosa, cultural, politica, familial. Tudo é cinzento e mecânico. Tudo pode ser “mortal”. Tudo é frio, destacado: IRRESPONSAVEL-incapaz de responder por… (não sei, não me interessa, não me diz respeito, não está comigo…: “SOU porventura eu o guarda do meu irmão?” (Gn 4,9). É esta a frase mais terrível da tradição bíblica.
Precisamos “reencontrar o Rosto” do homem, homem e mulher, a humanidade (humanitas), sujeitos da vida e da história neste mundo que vivemos e em que vivemos. “No Rosto apresenta-se o ente por excelência”, “a verdadeira essência do homem”, contraposta ao fenómeno. Embora formado também pelo pensamento de Husserl, Lévinas recusa uma visão objetiva do Rosto como objeto, conteúdo: “O rosto está presente na sua recusa de ser conteúdo. Neste sentido, não poderá ser compreendido, isto é, englobado. Nem visto nem tocado”. Para Lévinas, não há fenomenologia do rosto mas sim revelação. O que é especificamente rosto não é objetivável. A revelação do rosto è dinâmica. Produz-se no encontro de pessoas com pessoa. Por isso não se descreve, mas se acolhe.
Contra Heiddeger, Lévinas afirma que o rosto, na epifania, não só se revela como ser, mas como alteridade absoluta.
Para Levinas, a crise ética da cultura ocidental, que causou um tamanho estrago, se deve à realização de seus próprios princípios inspiradores que desde o mundo grego manteve-se na idade média e prolongou-se através da modernidade até nossos dias. Esta opção privilegiou a esfera onto-gnoseológica do ser e do conhecimento, numa denominação clássica; ou do objeto e da ciência numa formulação mais atual, deixando para o segundo plano as pessoas, a convivialidade e a sociedade com suas exigências éticas.



da Egologia-egolatria à alteridade-responsabilidade


Para Levinas, “ser” como “ser” é interesse. É luta que visa unicamente a sua permanência, o manter-se sendo. Esta luta onde todos visam preservar e ampliar seu espaço existencial se converte em conflito e limitação recíproca. Nela a paz é instável, não resiste à luta dos interesses. Em sua busca de manter-se sendo, o ser se caracteriza pela totalização que consiste em transformar o outro no mesmo, como acontece com o alimento incorporado ao organismo (metabolização). A totalização preserva o ser, o sujeito, pela negação da alteridade, que se dá pela violência e tem na guerra a sua última palavra. É um processo de fagocitose do “outro”, movido pela “egolatria” ou culto pelo “seu ser”.
A concepção egológica em que se busca salvar a própria pele, em detrimento do outro, baseia-se na convicção que a alteridade e a exterioridade são limites ontológicos (para o ser da pessoa individual=EGO) e não se hesita em anular o outro para manter ou ampliar os domínios do Eu, constituído como mesmo pela totalização. Hobbes diria, para confortar tal visão: HOMO HOMINI LUPUS, o Homem é lobo para o homem. 
A fixação no ser (onto-gnoseologia) torna-se violência que violenta, porque visa manter-se mesmo excluindo o outro e o seu ato extremo é o assassinato. Isto sugere a Levinas a urgência de pensar no “outro modo que ser” a alteridade, a qual, escondida no pensamento e nas vivências de nossa cultura, apresenta-se como fundamento de um convívio ético, capaz de reconhecer a exterioridade (a objetividade da presença) do rosto do outro.
Outrem existe e a sua existência não depende de mim e das minhas visões dele. O outro-Outro é dado, posto diante do EU, como alteridade que define e conjuga a minha liberdade. 
A alteridade reconhecida e reencontrada abre a passagem do “ser” ao outro na Responsabilidade pelo Rosto. O outro com quem o Eu se relaciona se apresenta como Rosto, e não pode ser contido na sua percepção, tampouco subsumido aos seus poderes de totalização, de fruição e posse. Se a ética antecede qualquer relação com o mundo isso significa afirmar que a ética é “a impugnação da espontaneidade do Mesmo pela presença do outro, que irrompe como Rosto”. Origina-se então a Ética do Rosto, como Ética que parte do Rosto do outro e determina uma orientação comportamental positiva e não absorvente da alteridade.
Urge, segundo Levinas, um processo de “reconversão” como momento de passagem do ser (do EU) ao outro, mediante a vergonha advinda do esquecimento do Outro. Esta reconversão é “conversão”, metanoia, como mudança de pensamento, e teshuva, como mudança de direção. A metanoia reconverte a onto-gnoseologia (cultivo do ser do EU, na teshuva, uma mudança vital em direção afetiva-efetiva pelo Rosto do outro.
A Ética do Rosto coloca as condições de pensar a ética desde o “outro”. Na resposta ao outro humano, o Eu se torna bondade. Por isso se esclarecerá que a bondade consiste em colocar-se no ser de tal forma que o outro conte primeiro que o Eu. Dessa forma, a responsabilidade se apresenta como a resposta concreta ao “apelo” do outro, em forma de compadecimento. Tal responsabilidade se agrava, chegando à substituição.
Relacionar-se com outro ser humano é recebê-lo antes de pensá-lo e antes de decidir ou não por seu recebimento. É um recebimento anterior à liberdade e à decisão de receber ou rejeitar, isto é, relacionar-se com o outro, não é senão recebê-lo por atribuição e não por opção: “A responsabilidade é o que exclusivamente me incumbe e que, humanamente não posso recusar” LEVINAS, E. Ética e Infinito: Lisboa: Edições 70, 1982. p.93
O outro me vocaciona a sair de mim mesmo para vê-lo, apercebe-lo, percebe-lo, recebe-lo! Por isso é possível haver no mundo solidariedade, fraternidade, bem como o gesto gentil de um simples “o senhor primeiro” diante de uma porta. Dessa forma, a subordinação não é servidão, ao contrário é convocação à humanização do ser humano.
A partir dessa elaboração se evidenciará uma nova semântica da palavra ética, para assim se justificar a interpretação dessa ética como responsabilidade.
Levinas clarifica que “o rosto fala-me e convida-me a uma relação sem paralelo com um poder que se exerce, que seja fruição quer seja conhecimento”. A relação com o rosto do outro não é de conhecimento, de necessidade, mas identifica-se com um desejo do outro no qual transparece o infinito. O infinito brilha no rosto do outro e me convoca.


4.           O PRINCÍPIO PERSONALISTA


A Ética nasce desde o sensível, como preocupação em face das necessidades dos Outros, do qual estou separado, mas onde a linguagem (discurso) torna-se o medium para a relação.
A Ética do Rosto abre-nos ao princípio da Doutrina social da Igreja que chamamos de “princípio personalista”: a pessoa ao centro para uma humanidade reconciliada e verdadeiramente humanizada.
“O homem é o primeiro caminho da Igreja e é para ele que ela dirige o seu interesse e atenção”. Levinas ajuda-nos a definir melhor “qual homem”: não se trata de um Ego monádico, fechado em si mesmo, causador de guerras para ele “ser”, mas, na sua visão filosófica, trata-se do Ego que reconhece outrem-Outrem e, diante do Rosto do outro, descobre o mistério que o transcende e se torna capaz de “responder” responsavelmente.
A luz deste princípio personalista colima com a consciência que a Igreja tem da alta dignidade do ser humano, querida assim pelo próprio Deus.
Porque os homens vivem em sociedade, a Igreja dirige a sua atenção à vida social, para fazer amadurecer a consciência do valor da dignidade humana. Mas não se pode falar corretamente da dignidade humana sem a consciência que o homem é um “Rosto” concreto existente diante do EU.
Já Pio XII, na mensagem de rádio no Natal de 1944, indicava que “o homem permanece o fim, o alicerce e o sujeito” da vida social. Segue-se então que devem ser banidas as falsas imagens do ser humano e as visões redutoras que diminuem a sua dimensão interior e fazem dele um ser “deformado”.
Podemos, portanto, entender o princípio personalista como o princípio que reconhece a plena identidade do homem-Rosto, considerando-o na sua dimensão “pessoal”. Daqui a afirmação que a dignidade do homem é inviolável e intocável.


5.           A PESSOA HUMANA É “IMAGO DEI”

De acordo com a narração da criação, o homem é criado à imagem de Deus (Gn 1,27) que lhe infunde (insufla) o seu princípio espiritual, o Espírito (respiração/sopro = vento = ruah). Este princípio assegura a dignidade inalienável do ser humano.
O homem não é um objeto, mas um ser que goza de liberdade, sendo um ROSTO (zelem e demut, são as duas palavras hebraicas para indicarem a dimensão onto-dinâmica do Adão criado a “imagem e semelhança de Deus). Ele (homem) pode conhecer-se a si mesmo, possuir-se e doar-se livremente, para entrar em comunhão com outras pessoas e estabelecer uma aliança-amizade com o outro-Outro (Deus).
Especialmente na dimensão da “relação” nós constatamos que o ser humano provém de Deus que é Trindade e relação infinita. Nesta identidade relacional a sociedade encontra a sua primeira origem e a sua finalidade. O Rosto do homem retraça o Rosto de Deus trino, que vive numa dinâmica pericorética interpessoal. Por isso é que do Rosto de Deus o homem-Rosto aprende a perfeita relação para com o Rosto do outro.
Portanto, o homem é “chamado” (vocacionado-apelado) à relação global e integral, respeitando as três dimensões principais desta relação: EU (ponto de origem), o outro ser humano (dimensão horizontal) e o Ser Espiritual Superior (dimensão vertical).



6.           A PESSOA HUMANA E SEUS MÚLTIPLOS PERFIS

Desta conceção, podem-se destacar as várias dimensões da pessoa humana. O homem não é apenas um conjunto de células sem sentido ou o resultado de um caso como muitos pretendem crer. A pessoa humana possui um estatuto muito maior e mais profundo.
No passado, houve, no pensamento filosófico, sociológico, antropológico e económico visões muito reduzidas do homem, como se fosse um ser material, vindo do nada e indo para o absurdo. Algumas concepções limitadas exclusivamente às dimensões deste mundo foram defendidas com grande força em diferentes latitudes.
À luz da antropologia filosófica hebraico-bíblica, para entender e definir o Homem, precisa realçar e mostrar as verdadeiras dimensões da pessoa humana.
A primeira definição muito óbvia do ser humano é a que o descreve como uma “liberdade responsável”. Vejamos então algumas dimensões essenciais do ser humano, de acordo com esta visão.

a)      A unidade da pessoa-Rosto
A pessoa-Rosto é concebida e te-ontologicamente plasmado como uma unidade de corpo e alma, sendo a alma o princípio da vida do corpo. Esta unidade faz da pessoa o sujeito responsável de seus atos morais.
A pessoa é dotada de corporeidade, composta pelo conjunto dos elementos materiais. Ainda que, por consequência da atração do mal (pecado), a corporeidade esteja afetada, continua a ser o princípio da inserção do homem no mundo concreto, para a sua realização. O corpo presta-se para as tendências negativas da carne, mas é também ocasião para manifestar a sua liberdade.
A pessoa exposta à dificuldade deverá prestar atenção e olhar para o coração (ebr. Lev= principio promotor de decisões), princípio da vida espiritual. É aí que o homem se descobre maior do que a mera dimensão física ou material.
A alma é a forma do corpo: dá-lhe a possibilidade de ser um corpo vivo e humano.

b)      A abertura à transcendência e a unicidade da pessoa-Rosto
A pessoa-Rosto é “capaz de Deus”: aqui está uma definição bonita e famosa que explica que o ser humano, sendo criado por Deus, aspira ao infinito. O homem sente em seu coração, na sua alma, na sua inteligência a “tensão” para o que está para lá da finitude, o que está para além do tempo e do espaço: o que dura para sempre.
Mas como o finito pode pensar no infinito? Como pode possui-lo? Isto não é possível. Diz Levinas que o infinito aparece-nos como ideia no rosto de outrem e traça o caminho para compreendermos melhor o infinito do rosto. “O infinito no finito, o mais no menos que se realiza pela ideia do Infinito, produz-se como Desejo. Não como desejo que a posse do desejável apazigúe, mas como o Desejo do Infinito que o desejável suscita, em vez de satisfazer. Desejo perfeitamente desinteressado – bondade”. Atenção: trata-se de um desejo que não coisifica o outro, senão o deixa na sua plena “alteridade” e “exterioridade”.  
A atração para a verdade, para a beleza, para a bondade, para a liberdade é própria da pessoa humana. É o que se chama abertura à transcendência, que está para além do mundo sensível. O ser do homem é naturalmente “aberto”. Ele é capaz de se “auto-compreender” de se “auto-possuir” para se dar, de se “auto-determinar” em ordem ao seu projeto de vida.
O rosto do homem busca o Rosto do Criador: Sal 26,8: “Fala-vos, meu coração, minha face vos busca; a vossa face, Ó Senhor, eu a procuro”.
A partir dessas características, afirmamos que o homem é dotado de inteligência, afeto/capacidade de amar, consciência e liberdade. No entanto, não são estes elementos que definem propriamente a pessoa humana, porque eles são comuns, em diferentes medidas, a toda a humanidade e, além disso, podem existir e existem pessoas que não tem essas características (inteligência, consciência, etc. ...). O que faz a especificidade é o caráter “único e inimitável” de toda criatura humana. É a “singularidade” da sua história que não tem igual no passado e não vai ter no futuro. O homem é um ser que é desejado ou querido como tal por Deus, sem que haja uma “imitação” sua. Mesmo os gémeos são diferentes! O rosto de cada um é que o define. Não é a fotografia do rosto que pomos na carta de identidade para identificar a pessoa?
Na verdade, nenhum esquema preestabelecido pode conter a definição de um homem que é chamado a desenvolver-se “integralmente”.
A partir da identidade do ser humano e suas características, segue-se que a sociedade é justa na medida em que ela assegura o respeito pela dignidade do ser humano. Para fazer isso precisamos que todos possam considerar a identidade nobre de cada pessoa e aprender a reconhecer a “primazia” do outro.
A pessoa não pode ser manipulada para fins económicos, políticos ou culturais, etc. nem mesmo em nome do suposto progresso da comunidade social. O homem não pode ser sacrificado às leis do desenvolvimento. Pelo contrário, o desenvolvimento é que deve estar ao serviço da vida humana e do seu incremento. As autoridades sócio-políticas devem velar para que não haja violação da liberdade pessoal, de qualquer pessoa.

c)      A liberdade da pessoa-Rosto
Sendo criado corporal-espiritualmente (à imagem de Deus), o homem goza da liberdade e sente-se fortemente chamado a pôr em prática esta liberdade. O homem pode tender para o bem apenas no contexto da liberdade de que ele goza e busca apaixonadamente.
Ele aspira à livre iniciativa em ordem ao projeto da sua vida e da sua família. Isso leva-o a assumir a primeira e grande consequência da liberdade que é a responsabilidade. Ele é o “pai do seu ser” (Heidegger), pois gera-o através das suas escolhas, tanto positivas como negativas.
Responsabilidade no pensamento levinasiano é assim delineada: “Entendo a responsabilidade como responsabilidade por outrem, portanto, como responsabilidade por aquilo que não fui eu que fiz, ou não me diz respeito; … desde que o outro me olha, sou responsável por ele, sem mesmo ter que assumir responsabilidades a seu respeito; a sua responsabilidade incumbe-me. É uma responsabilidade que vai além do que faço. (…) Sou responsável pela sua própria responsabilidade”.
Citando Dostoievski, Levinas afirma: “Somos todos culpados de tudo e de todos perante todos, e eu mais do que os outros”.
No entanto, ao afirmar que o homem é livre, não se pretende abalizar ou aceitar a libertinagem, tão cara a uma má interpretação de “liberdade”.
A liberdade é, basicamente, “liberdade para”, ou seja, autodeterminação para amar, para fazer o bem, etc. Infelizmente, muitas vezes a pessoa confunde liberdade e libertinagem. A libertinagem não tem limites. Não conhece o respeito pelo outro e ignora, especialmente, a dependência do Ser Supremo (Deus).
Assim, a sociedade que quer ser verdadeiramente livre deve procurar o seu equilíbrio e cumprir as leis económico-políticas para não destruir o verdadeiro desenvolvimento da pessoa. Deve concentrar-se na eliminação das injustiças que bloqueiam o bom funcionamento de todo o corpo social.
A sociedade é livre, mas não para decidir tudo e o contrário de tudo, segundo o desejo daquele que a governa. Ela deve ter um código de conduta de base que seja inspirado no respeito pelo bem comum e pelo Rosto pessoal de cada um.
Para que a liberdade seja real, deve alcançar a verdade. O homem que se diz “livre” não pode seguir atrás do mal em nome da liberdade, porque seria uma falsa liberdade. A liberdade é a escolha do bem-verdade. O homem verdadeiramente é livre quando cumpre o bem: é isto que realiza a sua humanidade!
A verdadeira liberdade é atraída pelo que é certo e, em obediência à lei moral (aquilo que é justo objetivamente), ela chega à verdade.
A verdade e a liberdade não se opõem nunca à lei natural que a inteligência reconhece: ex. o facto de que não se deve matar outro é um direito natural que cada cultura deve reconhecer. A verdade e a liberdade pessoal não podem opor-se a isso, porque a ação que daí resultasse seria ruim (má).
Para lá de qualquer cultura, os homens situam-se em torno de princípios comuns que lhes permitem viver em sociedade.

d)      A igual dignidade de todas as pessoas
O fundamento da igualdade de todas as pessoas encontra-se na encarnação do Filho de Deus (ROSTO supremo de significação) que tomou a forma do ser humano (rosto humano), dando a cada um a mesma dignidade. A dignidade diante de Deus é também a fonte da dignidade perante os homens e garantia do desenvolvimento integral dos povos. De facto, só quando se reconhece a dignidade dos homens, podemos reconhecer a dignidade dos povos e dos outros Estados: e isso leva a um crescimento da comunidade internacional.
A dignidade da pessoa humana também deve ser reconhecida como dignidade igual na dimensão masculina e feminina. O homem e a mulher completam-se não só porque eles são complementares a nível sexual, físico e psicológico, mas também porque os dois estão em relação de unidade do ponto de vista do ser profundo (ontologia). Só quando a dimensão masculina e a feminina se unirem, a humanidade pode desfrutar da riqueza da complementaridade.
Os deficientes são sujeitos, pessoas com a mesma dignidade e deve promover-se, na sociedade, um estilo de acolhimento que seja apropriado para eles. Os deficientes devem ter acesso aos vários serviços e serem admitidos na vida social. Em termos de condições de trabalho, é preciso fazer com que eles possam demonstrar a sua capacidade em diferentes áreas de produção, tentando eliminar possíveis obstáculos quotidianos especialmente os logísticos. Eles também são um Rosto de dignidade. Não esqueçamos que Isaías contempla no Rosto do Messias ultrajado e vilipendiado os traços dum Rosto que é o mais belo porque resgata o povo do mal. Trata-se claramente da beleza do amor que torna o Rosto do Messias sofrido, o Rosto da Luz que salva o seu povo:
·         “Não tinha graça nem beleza, seu aspeto não podia seduzir-nos (v 2);
·         “como aqueles diante dos quais se cobre o rosto (v. 3)
Tanto a pessoa com deficiência, como a que tem boa saúde, precisa de amor, de escuta, de proximidade e de intimidade.

e)      Sociabilidade do homem-Rosto
A pessoa é constitutivamente social. Foi assim que Deus a quis, capaz de construir comunhão com os seus semelhantes.
O homem é uma identidade relacional e isso distingue-o de todas as outras espécies terrestres. Graças ao conhecimento e ao amor, o ser humano é um ser relacional. Ele não pode viver “sozinho”, pois ele realiza-se na sua relação com os outros.
No entanto, a sociabilidade humana também conhece o peso do mal que inclina os homens à sociopatia e ao individualismo. O ser humano deve ultrapassar esse instinto primordial para começar a procurar o bem para si mesmo e para os outros, o bem comum: é nisto que assenta a origem da sociedade, que se articula em volta do bem comum.
Ao considerar o facto de as pessoas, por natureza, viverem em conjunto, a sociabilidade não se reveste de uma única expressão, mas há várias modalidades de “socialização”: as sociedades religiosas, políticas, civis, recreativas, desportivas etc. São outras tantas áreas em que os homens se “socializam” para desenvolverem a sua própria identidade “de comunhão”.
A sociedade deve promover a formação dessas associações com o objectivo da socialização para o desenvolvimento das pessoas e para a participação de um maior número na vida social.

7.           Conclusão

É na presença do Rosto do Outro, no face a face, que sou chamado a responder por Outrem, mas também pelo Próximo, o Terceiro e a própria Humanidade, relação que Lévinas chama de “intriga a três”.
Sou responsável pelo Outro independentemente das minhas escolhas. Minha vontade e liberdade estão pré-originalmente investidas pela responsabilidade, tornando a própria existência justificável, generosa. Ao invés de impor-se pelo poder do conhecimento, a subjetividade impõe-se sob a forma de sujeição, de vocação para o Bem, praticando a obra da justiça e da bondade.
Na relação ao Rosto revela-se a Ética, não como bondade natural ou como intenção generosa (altruísmo). O Outro ensina o primeiro mandamento ético: “Tu não matarás!” Ensino que não é maiêutica, saber ainda não depositado no Eu, onde o Mestre é o Outro, e cuja lição é a “infinitude ética” da alteridade exposta a partir da ideia do infinito.
No encontro como o Rosto anuncia-se um Terceiro. A relação, então, vaza-se num Nós, assinalando o surgimento do próprio Estado. Lévinas esforça-se por mostrar que o fundamento do Estado é a Ética, pois não se funda a partir da mediação do confronto das vontades individuais e antagônicas, à qual um contrato social poderia conciliar.
Responsabilidade e justiça são exigências sociais, indispensáveis à própria constituição do Estado. A Paz do Estado deve ser a Paz ética, fundada a partir destas exigências e não na suspensão das guerras, nos armistícios ou no medo.
A presença do Rosto do Outro me lembra que é preciso tirar as “minhas sandálias”, despojar-me de Mim-Mesmo, oferecer-lhe o pão, a água e, se for preciso, a minha vida. Cabe ao homem salvar o próprio homem. Somos Todos o Messias. A Humanidade é o Messias. Responsabilidade diante de “Tudo” e de “Todos”, justificação de nossa existência.
Eis a sabedoria do pensamento de Emmanuel Lévinas que ilumina uma visão holística da pessoa humana, para uma sociedade e uma igreja mais pacíficas e humanas.